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As Correntes da Liberdade

Capitulo I

Um jovem casal começa sua vida

- Mais madeira? Vai construir um castelo Adonai?

O jovem homem sorriu para o dono da carpintaria, Adonai tinha em seus ombros algumas tábuas e se preparava para ajeita-las em sua carroça.

- Sim Melquior, um castelo para aquela beleza ali. Adonai apontou para seu cavalo, que ele chamava de Silpha, era seu amigo mais antigo, a única herança que havia recebido de seus pais antes de tudo acontecer.

 – Elisa me garantiu que se eu não fizesse um estábulo para meu cavalo, eu passaria a dormir na chuva junto com o animal, para que visse o quanto era bom. Por todos os deuses homem, eu realmente nunca vi uma mulher gostar tanto de animais.

Melquior sorriu, a quatro anos atrás, Adonai havia chegado com uma leva de pessoas ao reino de Sarmarat, um dos sete reinos centrais de Thallassia . Uma desavença entre dois regentes fizera o antigo reino onde Adonai nascera sumir do mapa, diminuindo de 8 para 7 reinos centrais, mas eles ainda eram cercados pelos 3 grandes impérios e a qualquer momento, qualquer um dos reinos centrais podia sumir do mapa, assim como o reino onde Adonai nascera, fora varrido.

Adonai havia chegado como escravo, ainda carregava a marca próxima ao seu ombro, contudo, após 3 anos de trabalho, o jovem rapaz fora liberto e se casou com Elisa, para o desespero do pai da moça e muitos outros jovens do reino.

Com esses pensamentos na mente o carpinteiro sorriu, realmente, embora Adonai tivesse começado a vida como escravo, ninguém podia dizer que ele não havia cumprido todas as regras e tramites do reino para conseguir sua liberdade, e acima de tudo, fosse ele escravo ou homem livre, Adonai tinha uma grande qualidade, ele era honesto.

O próprio Melquior o havia empregado quando o então recém liberto procurou emprego em sua serraria. E ele ainda sentia falta do rapaz trabalhando para ele, por incrível que parecesse, Adonai tinha um grande conhecimento de madeira e construção.

- Vai se perder se continuar pensando Melquior. Disse Adonai com um sorriso no rosto. Melquior pensou em quanto gostava do rapaz, ele não falava muito, era competente, mas sempre estava pronto para trabalhar. Bolas, ele poderia ter sido meu filho!!! Pensou Melquior.

Adonai estendeu uma pequena bolsa de couro com algumas moedas de prata. 

– O pagamento pelos 3 carregamentos de madeira anteriores e o de agora. Melquior pensou um pouco antes de pegar a bolsa, quando sua mão estava a meio caminho ele parou.

- Pensando bem, eu não lembro de ter lhe dado nada em seu casamento, façamos assim, leve a madeira, e quando eu precisar de uma mão em uma reforma você vem.

Essa era a quarta ou quinta tentativa de Melquior para recontratar seu antigo funcionário.

Adonai sorriu, mas pegou a mão de seu antigo patrão e colocou a pequena bolsa com as moedas de prata na mão direita do homem.

- Elisa quer que eu me dedique a fazenda, e você sabe como ela é.

Falando isso e com um sorriso no rosto, Adonai pegou as rédeas da carroça que Silpha puxava e com um som para incentivar o cavalo colocou a sua carroça para andar.

Enquanto passava pelas ruas da cidade, Adonai, enquanto cruzava as ruas da cidade, ainda via sentimentos mistos nos rostos das pessoas, por um lado, ele era apontado como um exemplo para aqueles que queriam conquistar sua liberdade.

Por outro, ele havia “roubado” a joia da cidade, e isso era difícil de engolir. Mas que culpa ele poderia ter? Afinal, ela o havia escolhido, bom, mesmo que as pessoas soubessem como tudo se deu, provavelmente eles não se importariam, Adonai sentiria o ressentimento de outros homens da cidade por muito tempo ainda, por ter se casado com Elisa.

Elisa era filha do taberneiro local, Lomar, ela havia crescido na cidade e a taberna de seu pai era famosa pela torta assada de batatas com tiras de bacon e pelo pernil assado, além da bela voz da filha do taberneiro que as vezes cantava no local, isso quando não era casada.

Ela começou a cantar como autodidata, com o passar do tempo de tanto escutar os bardos cantarem, uma noite a moça resolveu cantar também.

Desde aquele dia, o estabelecimento do seu pai havia dobrado o número de clientes nas noites em que a moça cantava, boatos diziam que mesmo o filho do regente havia vindo escutar ela cantar.

O talento dela era tanto que até mesmo um bardo da corte do Império do Norte, o maior reino de toda a Thallassia veio até o estabelecimento e se ofereceu pra patrocinar a menina para que ela cantasse na corte.

Ela poderia ter tido uma vida boa, surpreendentemente foi nessa época em que ela declarou ao seu pai que se casaria, o homem ficou extasiado, afinal, vários candidatos haviam aparecido em sua porta, havia quem dizia que ela tinha sido cortejada até por membros das cortes de outros reinos menores.

Mas o escolhido dela fora Adonai, um ex escravo, e isso com certeza despedaçou em muito as esperanças e sonhos de vários homens.

Adonai nunca entendeu porque sua esposa o escolheu, ele ainda lembrava de estar arando seu recém adquirido lote quando a jovem se aproximou dele e perguntou se ele tinha uma esposa. E ficou mais pasmo ainda, quando a jovem mulher, ao saber que Adonai não era casado, pediu ele em casamento.

No início, Adonai achou que era brincadeira, mas passado uma semana, Elisa voltou as terras do sujeito e o perguntou sobre sua resposta.

Ainda pensando em como conheceu sua mulher, Adonai seguiu o caminho até seu pequeno sitio, a vida podia ter mudado muito para ele, contudo, ele não podia negar que ela estava boa e com esses pensamentos em sua mente, ele chegou em casa.

Elisa ouviu a carroça de seu marido chegando, ela pegou um cantil de couro cheio de água e foi até o galpão que Adonai construiu para lidar com a madeira, chegando ao local, ela viu seu esposo ajeitando as tábuas.

Elisa olhou novamente para seu esposo, aproveitando cada detalhe que ela tanto amava nele, sua pele queimada pelo sol, seus cabelos escuros e o rosto com linhas retas, mas mesmo assim suaves, os olhos castanhos e o corpo de seu esposo, forjado pelas coisas que ele fez na vida, pesca, construção e trabalho escravo, cada musculo e cicatriz tinha uma história para contar, mas ela amava ainda mais, todas as histórias que ela desejava construir junto com ele.

Elisa se aproximou de Silpha e derramou um pouco de água do cantil na boca do cavalo, o animal relinchou de alegria, Silpha não estava passando sede, mas adorava que Elisa cuidasse dele.

- Ei e eu? Protestou Adonai.

- Você tem mãos e pode pegar água por si só, além do mais só o pobre Silpha trabalhou até agora.

- Prefiro usar minhas mãos para isso. Disse Adonai passando as mãos pela cintura de sua esposa e a tirando do chão, água voou por todos os cantos e o cavalo relinchou com a cena.

Que fosse para o Érebo a opinião de todos, eles se amavam e era isso que importava.

3 meses depois, Adonai estava se preparando para voltar para a cidade para comprar algumas pedras para cercar o poço de água que ele finalmente havia terminado de cavar.

Elisa ajudava seu esposo a colocar algumas coisas na carroça quando sentiu uma forte dor, mas não disse nada ao seu esposo, embora ele tenha percebido ela se abaixar próximo a carroça.

 

- O que foi Elisa?

-Nada, apenas tropecei. Dizendo isso com um sorriso no rosto, Elisa colocou mais um pacote de lã para Adonai negociar com o mercador de tecido.

Elisa já desconfiava a algum tempo, mas agora ela sentira uma primeira pontada e sua barriga começou a inchar, ela lembrar que seu esposo brincou que a vida de casada a estava tratando bem, afinal ela havia ficado gordinha. Sim, havia um ser crescendo dentro dela.

- Vou esperar ele voltar da cidade conto para ele! Pensou a mulher, já que planejou fazer um bolo para contar ao seu esposo a excelente notícia, eles já falavam de ter filhos desde que casaram.

Adonai olhou o tornozelo da esposa preocupado, ele estava inchado, mas não pelos motivos que ele acreditava.

- Você tem que tomar mais cuidado amor, olhe só, você se machucou. Entre e coloque um pouco de água gelada em cima disso.

Levando sua mulher até a casa, Adonai voltou a carroça e saiu prometendo para uma esposa que se encostava na porta para vê-lo partir que logo retornaria, Elisa esperou a carroça sumir na estrada para começar a aprontar o bolo.

Ao chegar na cidade, Adonai foi logo abordado por um sujeito com uma lança e armadura.

Sem deixar espaço para contestação, ou explicar algo, Adonai foi direcionado para a praça central da cidade, onde um arauto do regente vestindo o amarelo e vermelho característico do reino de Sarmarat começava a ler o decreto do regente.

- As seguintes pessoas estão convocadas a se apresentarem a corte de Sua Majestade, Olivos para ajudar nos preparativos da batalha que está por vir.

Imediatamente o arauto foi interrompido por uma série de vozes que se levantou na praça, e embora o funcionário da corte real estivesse cercado por guardas fortemente armados e cobertos de armaduras, ele não pode deixar de involuntariamente se encolher de medo, o arauto detestava a plebe, acreditava que nada de bom podia vir dela e seu temor irracional, bem como sua covardia acabava refletindo em sua linguagem corporal.

- Batalha? Mas nosso reino está em paz, batalha contra quem?

- Eu sou jovem demais para morrer em uma guerra...

- Isso vai certamente mexer as coisas...

As vozes no mercado estavam agitadas, e o povo começou a se mexer, contra quem iriam lutar? Oque estava em jogo? Quem seriam os convocados?

Nenhuma pergunta foi respondida, a guarda do regente usou de sua presença intimidadora para calar a boca das pessoas em volta, com o silencio reestabelecido, o arauto pomposo continuou a ler sua lista, aqueles chamados por ele deveriam se preparar para partir em no máximo 1 dia, ou seria considerado desertor, seus bens seriam tomados e sua família vendida como escrava, era uma vida difícil.

 Claro, você podia comprar sua dispensa, mas isso só estava disponível se, você tivesse uma quantia substancial de prata, bom, substancial pelo menos para o padrão da plebe... E, se caso, você não fosse um ex prisioneiro de guerra que foi feito de escravo. Adonai não tinha prata e era um antigo prisioneiro de guerra.

Essa lei barbara ainda não havia sido abolida. O pensamento de deixar sua esposa em casa para mais uma vez lutar caiu como uma bomba em cima dele e seu mundo girou, mas talvez ele estivesse com sorte e os documentos antigos que o registravam como cativo tivessem sido perdidos.

- Para o time de construtores, Envel, o carpinteiro, e seus ajudantes, Amoth, o pedreiro e seus ajudantes, Filgar, o pedreiro, e seus ajudantes, Justin, o carpinteiro e seus ajudantes, Invor, o coureiro e seus ajudantes, Dandas, o envernizador e seus ajudantes.... Os nomes eram chamados, e enquanto alguns estavam contentes por poderem conhecer o regente, já que isso significava que se servissem bem a vida da pessoa mudaria, ainda assim era uma guerra.

Mesmo se trabalhando como construtor, era uma guerra, eles se moveriam com as tropas e podiam ser acertados a qualquer momento. Foi com esse pensamento que a terrível notícia para Adonai veio.

- Chefe da equipe de construção, especialista em máquinas de cerco, Adonai Havora, o engenheiro.

Os olhos de quase todos na praça voltaram-se para Adonai, engenheiro? Então isso explicava suas habilidades, mas porque ele escondeu isso? Ele poderia ganhar muito dinheiro colocando suas habilidades a serviço do regente.

Adonai se encolheu, ele odiava o fato de sua documentação não ter sido perdida, ele havia lutado por seu antigo reino e perdido, agora teria que ceifar a vida de outras pessoas e ajuda-las a terem uma vida de escrava no melhor dos casos.

Ignorando os olhares na praça, Adonai andou até o oficial que estava distribuindo as convocações.

- Você nos deu trabalho com suas malditas máquinas engenheiro, esperamos que dessa vez elas estejam a nosso serviço.

Adonai queria dizer onde o homem podia enfiar aquele comentário, ao invés disso, invocando toda a calma que seu pai ensinou a ter, o engenheiro sorriu e pegou a convocação, se preparando o mais rápido possível para voltar para sua casa.

- Você parte amanhã com o sol na metade do céu, o regente fez questão que viesse, não nos faça ir aquela pocilga que chama de casa Adonai. Disse o capitão da guarda que tinha uma grande cicatriz do lado direito do seu rosto que indicava provavelmente continuar por boa parte do seu corpo. O homem alimentava um claro desprezo por Adonai.

Se esquivando da multidão Adonai subiu em sua carroça e voltou sem trocar ou vender nenhum produto.

Ao chegar em casa sua esposa estava o esperando na porta, com um bolo em mãos.

- Tenho novidades! Falaram um para o outro juntos.

Elisa sorriu e querendo ser a última a contar, disse:

- Você primeiro.

- Fui convocado para servir o regente.

Elisa sentiu seu mundo desabar, seu sorriso saiu do rosto e ela se sentou em um banco próximo.

Adonai não sabia o que falar para sua esposa, ele não queria ir, mas ele sabia das consequências, são somente a família de sua mulher, mas a própria corria risco.

-Acho bom você voltar vivo, meu bebê não vai crescer sem um pai.

Adonai ficou paralisado com a noticia por um segundo, recuperado do susto ele se abaixou e deu um longo abraço em sua esposa, pegou um pedaço de bolo, colocou inteiro na boca e voltou para a cidade, deixando para trás uma esposa um tanto confusa, mas ele tinha uma coisa a fazer, ele foi direto para a madeireira de Melquior.

- Meu amigo, eu não sabia que era um engenheiro! Espero que ajude a defender a vida de nossos rapazes. Disse Melquior sem sequer lembrar as origens de Adonai, ou considerar que ele pudesse ter alguma mágoa de Sarmarat.

Ao invés de falar qualquer coisa a respeito do Melquior balbuciava, Adonai olhou no fundo dos olhos do ex partão.

Ex escravo, Adonai perdera seus pais na guerra, e ele faria de tudo para que seu filho não passasse pelo mesmo. O engenheiro abriu um sorriso enquanto disse.

-Esqueça isso e me veja um metro cúbico de cedro rosa Melquior.

O carpinteiro estacou, só havia uma utilidade para o cedro rosa em Sarmarat, era para fazer um berço para o primeiro bebê que nascesse, o cedro rosa era o símbolo do reino, representava a felicidade prosperidade.

Melquior olhou para seu antigo empregado.

-Não quero nem saber, esse vai ser presente sim.

Elisa estava bufando de raiva quando Adonai voltou, disposta a mostrar todo seu desagravo com a atitude do marido ela foi andando com passos duros em direção ao galpão onde a carroça do marido havia entrando sem nem passar antes pela casa.

O lampião quase caiu do suporte quando ela entrou empurrando a porta com força, seus olhos foram em direção ao esposo e a algumas tábuas que se encontravam em sua mão.

Naquele momento Elisa caminhou até a carroça e pegou uma tábua indo em direção a pilha que seu marido começava a ajeitar.

Adonai tentou tirar a tábua das mãos da esposa. Ela estava feliz, mas não ia facilitar para ele.

- Largue, ou vou dar com ela nessa sua cabeça dura.

- Não. Falou Adonai. Você está grávida. Disse o homem segurando com força a madeira.

Elisa tinha o costume de não ser contrariada.

- Estou grávida, não doente e não morta, mas se você não tirar a mão, vai se apresentar com a cabeça quebrada. Disse Elisa, segurando toda a felicidade que ela sentia com a preocupação de seu esposo, mas mesmo assim não deixando sua felicidade transparecer.

Adonai deu um longo suspiro, ela iria querer participar do processo de todo jeito, então só havia uma coisa a fazer, pegar mais tábuas toda vez para que ela carregasse menos.

Assim, um belo casal soube que iriam ter um bebê e ao mesmo tempo tiveram uma triste noticia que logo iriam se separar.

Eles entraram para sua casa e subiram para seu quarto depois de um pequeno jantar.

No outro dia Adonai se apresentaria, mas que se dane a convocação, hoje a noite, Adonai estaria com sua esposa e ai de quem resolvesse visitar esse casal nessa noite.

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